Sábado, 21 de janeiro de 2012 - Publicamos hoje um texto do doutor Rafael Vitola, sobre o canto na Missa, segundo as normas do Rito Romano.
Confiram e comentem!
O canto na Missa segundo as normas do rito romano - Teoria e prática
Rafael Vitola Brodbeck
“a) Entende-se por Música Sacra aquela que, criada para o culto divino, possui as qualidades de santidade e de perfeição de forma.
b) Com o nome de Música Sacra designam-se aqui: o canto gregoriano, a polifonia sagrada antiga e moderna nos seus vários géneros, a música sagrada para órgão e outros instrumentos admitidos e o canto popular, litúrgico e religioso.”[1]
Na tradição litúrgica do rito romano, a Missa pode ser rezada ou cantada.
Pelas normas antigas, vigentes hoje extraordinariamente para quem celebra a Missa no rito romano tradicional, a Missa rezada não poderia ter parte alguma cantada, embora pudesse ser acompanhada de cantos em alguns momentos. E a Missa cantada, em sentido amplo, chamada de Missa alta, poderia ser a Missa cantata (Missa cantada, em sentido estrito) e a Missa sollemnis.
Com a reforma litúrgica, as disposições se tornaram mais flexíveis. Continua a existir a Missa cantada e também a Missa solene. Todavia, esta última, solene, não é mais obrigatoriamente cantada, podendo ser rezada. E também a Missa rezada pode ter não apenas cantos, como igualmente trechos do Ordinário ou do Próprio cantados.
Na prática, então, o que é a Missa cantada e a Missa rezada?
A Missa cantada é aquela em que todas as partes audíveis do Ordinário e do Próprio são cantadas. Do primeiro sinal-da-cruz até a o “Ide em paz”, tudo é cantado pelo sacerdote e pelo povo.
Todavia, há quatro exceções. É possível que, ainda que seja Missa cantada, a parte da Oração Eucarística que vai desde após o “Santo, santo, santo” até, exclusive, a Doxologia, seja rezada. Isso porque, pela tradição litúrgica ocidental, o Cânon era recitado em vox secreta, e, pois, embora a atual IGMR mande que se a diga em vox clara, pode-se manter o costume de não cantar para preservar a sobriedade do momento e, de certa forma, perpetuar o tom mais silencioso que sempre marcou a Consagração no rito romano. Além disso, as partituras para a Oração Eucarística são de recente criação. A outra exceção é quanto ao Confiteor, que, se for usado, não é ordinariamente cantado[2], dado que não há partitura para ele no Missal, e, mesmo na tradição anterior, como constava das chamadas “Orações ao Pé do Altar”, era rezado, não cantado, pelo sacerdote e o acólito. Uma terceira é a possibilidade de fazer a monição da Oração Universal, suas preces e sua conclusão de modo rezado, com apenas o responsório cantado. Enfim, as leituras podem ser ditas, mormente se forem feitas em vernáculo. Missa cantada, então, é aquela toda cantada em suas partes audíveis, ou a que é toda cantada menos essas partes da Oração Eucarística, do Confiteor e as leituras.
A definição de Missa rezada encontramos por ser o antônimo de cantada. Toda Missa que não é cantada, é rezada. Ou seja, a Missa rezada é a Missa baixa, a Missa em que o sacerdote não canta o Ordinário e o Próprio, ou que canta somente algumas partes deles. A Missa exclusivamente rezada e a Missa com partes cantadas e partes rezadas são, pois, Missas rezadas. Essa Missa rezada, além de poder ter partes cantadas, pode ser acompanhada de cantos nos momentos oportunos.
Assim, o seguinte esquema poderia ser apresentado para melhor compreensão da matéria:
1. Missa cantada:
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2. Missa rezada:
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a) Missa em que todas as partes audíveis do Próprio e do Ordinário são cantadas;
b) Missa em que todas as partes audíveis do Próprio e do Ordinário são cantadas, exceto o trecho mais importante da Oração Eucarística e/ou o Confiteor, e/ou trechos da Oração Universal, e/ou as leituras.
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a) Missa exclusivamente rezada;
b) Missa exclusivamente rezada, mas acompanhada de cantos;
c) Missa com trechos rezados e outros trechos cantados, acompanhada ou não de cantos.
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Tabela 1 - Distinção entre Missa cantada e Missa rezada
Canto gregoriano
O canto gregoriano é sempre em latim. Podem-se fazer traduções do latim para o vernáculo, mantendo as mesmas melodias, mas aí já não será gregoriano, e sim uma música inspirada no mesmo.
Geralmente, essas melodias vernaculares são as oficialmente dispostas nos Missais das línguas vulgares. No Brasil, temos essas melodias como apêndice no Missal Romano em português, a partir daquelas preparadas, nos anos 70, quando da tradução do Missale Romanum ao idioma de Camões, pelos padres Fr. Alberto Beckhäuser, OFM, e Fr. José Luiz Prim, OFM.
Além do canto gregoriano, pode-se ter na Missa e demais ações litúrgicas o canto polifônico (polifonia sacra) e, segundo as normas, canto sacro popular. O canto gregoriano é vocal ou acompanhado de órgão ou harmônio. Já a polifonia e o canto popular podem ser acompanhados de órgão ou harmônio, mas, com autorização do Ordinário, pode-se usar outro instrumento, desde que sóbrio e adequado ao senso litúrgico.
“Os instrumentos musicais disponíveis em cada região podem ser admitidos no culto divino a juízo e com o consentimento do Bispo Diocesano contanto que sejam adequados ao uso litúrgico ou possam a ele se adaptar, condigam com a dignidade do templo e favoreçam realmente a edificação dos fiéis.”[3]
Implicações práticas
As regras para o uso do canto na Missa variam conforme o seu tipo – rezada ou cantada. Tais regras têm origem quer nas rubricas do rito, quer na análise do Missal e suas partituras, quer nas instruções do Gradual, quer ainda na própria natureza das coisas e, principalmente, nos costumes da liturgia romana.
Antes de tudo, é bom lembrar que existem diferenças entre cantar na Missa e cantar a Missa. Cantar na Missa é executar uma peça durante um momento adequado, e cantar a Missa é rezar, em forma de música, o exato texto que consta do Missal. O Ordinário pode ser cantado, mas nele não existem, propriamente, momentos para que se executem cantos (exceto para a Ação de Graças). Já o Próprio tem três momentos em que se podem ter cantos: a Entrada, o Ofertório e a Comunhão; nos demais, canta-se o Próprio e não durante o Próprio. Enfim, ao terminar a Missa, pode-se ter um canto também.
É bom expor as demais regras em um esquema prático, segundo o tipo de Missa e as suas partes.
No ORDINÁRIO da MISSA REZADA, pode-se ter canto gregoriano, polifonia sacra, canto popular, e melodias vernáculas eventualmente dispostas no Missal e inspiradas no gregoriano, no Pai Nosso e nas cerimônias que compõem o Kyriale, quais sejam o Kyrie, o Gloria, o Sanctus e o Agnus Dei, além do Credo. Para as demais partes do Ordinário, usam-se as melodias tradicionalmente dispostas no Missal para utilização na Missa em vernáculo, todas com estrutura gregoriana, ou o próprio gregoriano do Missal em latim. Na Ação de Graças, se for usado um canto, pode ser tanto gregoriano, como polifonia e popular. O mesmo para um eventual hino após a Missa.
Ainda na MISSA REZADA, em seu PRÓPRIO, usam-se as melodias tradicionais do Missal, com estrutura musical gregoriana vertidas para o vernáculo, ou, então, o legítimo gregoriano do Missal latino, nas coletas (Coleta propriamente dita, Oração sobre as Oferendas, Oração após a Comunhão) e no Prefácio – mesmo melodia do gregoriano, em latim, só que na língua vulgar. Já as antífonas (Intróito, Ofertório e Comunhão) podem ser tanto as gregorianas (especialmente as previstas pelo Gradual para aquele dia, mas, por razões pastorais, podendo ser outras), como as polifônicas (com a letra do Missal, do Gradual ou ainda uma outra, distinta), e também cantos populares (igualmente, seja com a letra do Missal ou do Gradual, ou uma outra letra, porém adequada ao momento e aprovada pela conferência episcopal[4]). Enfim, as Leituras, incluindo o Evangelho, podem ser cantadas em latim, com canto gregoriano, ou em vernáculo segundo a mesma melodia; e o Salmo Responsorial e a Aclamação, além dessas duas opções, também podem ser feitos com polifonia ou canto popular – se for usado o gregoriano, a letra para esses dois é a do Gradual, ordinariamente, podendo ser outra por razões pastorais.
Por sua vez, o ORDINÁRIO da MISSA CANTADA deve, no Pai Nosso e no Kyriale, ser todo em gregoriano ou em polifonia, ou ainda em uma melodia eventualmente proposta pelo Missal em vernáculo como tradução do original latino em gregoriano, mas não o canto popular. As demais partes seguem essa mesma melodia do Missal, inspirada no gregoriano e vertidas para o idioma vulgar, ou então o próprio gregoriano original (mesma melodia, só que em latim). A Ação de Graças e o hino após a Missa podem consistir em um canto gregoriano, em uma peça polifônica ou em um canto popular adequado ao momento.
O PRÓPRIO da MISSA CANTADA pede, para as coletas e o Prefácio, o gregoriano (em latim) ou a melodia nele inspirada e disposta no Missal (em vernáculo). As antífonas podem ser cantadas em gregoriano, em polifonia sacra, ou acompanhados os momentos em que elas se inserem por cantos populares, preferencialmente com a letra do Missal ou do Gradual, e, se com outra letra (outro canto, portanto), aprovados pela conferência episcopal[5]. As Leituras – com o Evangelho – podem ser ditas, mesmo na Missa cantada, e também feitas em vernáculo, ainda na celebração em latim. Todavia, se forem cantadas, usa-se, em latim, a melodia tradicional gregoriana, ou, em vernáculo, a música nele inspirada e que consta do Missal. Já o Salmo Responsorial e a Aclamação ao Evangelho são sempre cantados, com o gregoriano do Gradual (quer as músicas dispostas para o dia, quer, por razões pastorais, alguma outra), com a melodia inspirada no gregoriano em vernáculo (e letra baseada no Gradual ou no Missal), ou com alguma peça polifônica com a letra também do Gradual ou do Missal.
As músicas somente instrumentais são permitidas, quer na Missa rezada quer na cantada, somente na Procissão de Entrada (até o sacerdote chegar ao altar, pois depois se seguem as regras acima expostas), no Ofertório, na Comunhão e no fim da Missa. Principalmente na Missa cantada, convém que sejam tais peças seja executadas pelo órgão.
Diz a IGMR:
“Ainda que não seja necessário cantar sempre todos os textos de per si destinados ao canto, por exemplo nas Missas dos dias de semana, deve-se zelar para que não falte o canto dos ministros e do povo nas celebrações dos domingos e festas de preceito.”[6]
Destarte, é preciso cuidar para que se promova, de tal forma, o autêntico canto litúrgico, que, em todas as igrejas e oratórios, nos Domingos e dias de guarda, haja, no mínimo, a Missa rezada acompanhada de cantos. De preferência, que se façam pelo menos algumas delas não só com cantos, mas verdadeiramente com trechos cantos quer do Ordinário, quer do Próprio. Enfim, é bastante salutar que, pelo menos nas catedrais e grandes igrejas – notadamente as paroquiais –, tenha-se a Missa cantada, além da rezada. Um bom cronograma de celebrações litúrgicas em uma paróquia média contemplaria Missas rezadas durante a semana (com ou sem cantos, com ou sem trechos cantados), e, nos Domingos e dias de guarda, uma Missa cantada, e outras Missas rezadas acompanhadas de cantos (e, melhor ainda, com trechos cantados). Algumas delas, preferencialmente as Missas cantadas, poderiam ser em latim, ou se poderia utilizá-lo para as partes eventualmente cantadas do Ordinário (o conjunto do Kyriale, por exemplo) e do Próprio (o Prefácio, as Antífonas, ou, então, as orações).
[1] Sagrada Congregação dos Ritos e Conselho para a Aplicação da Constituição sobre a Sagrada Liturgia, InstruçãoMusicam Sacram, 4
[2] Embora possa ser cantado, mas, por não ter pauta própria, no chamado “reto tom”, como indicava o Liber Usualis para o Ofício Divino anterior à reforma de Paulo VI. Também é possível utilizar a partitura daquele Confiteorcantado na Missa Pontifical, após a homilia do Bispo, quando ele confere sua indulgência.
[3] CNBB. Documento 43 – Animação da Vida Litúrgica no Brasil, 210
[4] Essa aprovação, no Brasil, é indireta e tácita, pela edição quer do Hinário Litúrgico da CNBB, quanto de outros livros de cantos nas diferentes Dioceses. Entretanto, a Santa Sé tem pedido que a as conferências aprovem de modo expresso os cantos que tomam o lugar das antífonas, aprovação essa que precisará, posteriormente, da confirmação romana.
[5] cf. nota anterior.
[6] IGMR, 40
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